Mario Vargas Llosa

Liguem o spotify ou o youtube. Melhor, experimentem pegar num vinyl ou num CD, ou quem sabe numa cassete. Coloquem a tocar uma valsa peruana. Procurem por Felipe Pinglo Alva, Chabuca Granda ou Jesús Vasquez A música já está a tocar? Preparados? Podem começar a ler “Dedico-lhe o meu silêncio”, aquele que, muito provavelmente, é o último romance do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Com ritmos melancólicos, a espaços esperançosos, muita paixão pela valsa peruana e pela música crioula do Peru, o livro transporta-nos para o interior deste país, nos anos 90, em plena ofensiva do movimento Sendero Luminoso. O contexto histórico está sempre presente, mas as atenções estão viradas pela paixão de Toño Azpicuelta, um crítico musical, pela valsa peruana e pelos seus protagonistas e personagens secundárias.

Quem nunca ficou siderado por descobrir algo que praticamente ninguém do nosso círculo de amigos e conhecidos tem acesso? Existe sempre um pequeno prazer em encontrar algo que está para “rebentar”, que é “nosso” e queremos dar a conhecer. É óptimo, já conheces? Vamos logo a correr a perguntar a todos aqueles que podemos chatear com os nossos “tesouros”. Toño ficou embasbacado com o talento de Lalo Molfino, um guitarrista desconhecido do grande público. A descoberta da morte prematura do artista e a falta de informação sobre o mesmo leva o protagonista a querer escrever um livro sobre o guitarrista. É a oportunidade de fazer com que o país descubra, ainda que postumamente, esta figura obscura que muito deu à música, ainda que poucos o saibam. A busca por factos e pessoas que fizeram parte da vida de Molfino marcam uma parte do enredo, bem como o processo de escrita do livro e pequenas crónicas ou artigos do protagonista sobre temas que podem ir de Chabuca Granda ao termo huachafería, ou à música e ao som durante o Império Inca.

Toño acredita que é a valsa crioula que vai unir o Peru. “Nas suas vidas a valsa tinha causado uma revolução que devia replicar-se a toda a dimensão da sociedade peruana, unificando-a, vencendo os preconceitos, os abismos sociais”, diz sobre um casal amigo, ao mesmo tempo em que acredita no poder desta música para esbater as diferenças e agregar o seu povo. A espaços Vargas Llosa cai no entusiasmo do protagonista e repete aquilo que já foi dito mais do que uma e duas vezes. O que tira em fulgor, permite ganhar em expor o quanto a valsa crioula faz mexer com Toño, sempre no tom entre o apaixonado e o ingénuo desta personagem. O título do livro remete para uma frase de Lalo, guitarrista solitário e de feitio difícil. As lendas e mitos que o crítico faz em relação ao músico não perdem lugar, mesmo perante algumas descobertas. Não gostamos nós dos mitos em volta dos nossos heróis? Toño quer preencher essas lacunas, criar um livro e a partir daí partir para algo mais.

É sempre mais aquilo que “Dedico-lhe o meu silêncio” dá sobre a música crioula e a sociedade peruana. Ficamos a querer conhecer mais sobre o assunto, a ligar os motores de pesquisa para descobrir sobre todos os músicos mencionados por Toño, uma figura bastante curiosa. Tem tanto de conhecedor como de ingénuo, a sua fobia por ratos e ratazanas acompanham a narrativa, bem como a alegria que a música lhe traz. A sua teoria sobre a valsa crioula tem tanto de utópica e inocente como de encantadora e comovente. Será que a música pode ser o ponto de encontro que reúne e dissolve todas as assimetrias? É improvável, mas não deixa de ser uma ideia encantadora. Todos os sonhos e ambições podem trazer desilusões. “Dedico-lhe o meu silêncio” não esconde isso, bem pelo contrário. É nesse balancear pela melancolia e alegria, pela efemeridade da memória e a consagração da História, que o derradeiro romance de Mario Vargas Llosa vagueia. Sem problemas a recorrer a repetições para transmitir as ideias e a maneira de ser de Toño Azpicuelta, o autor peruano tem no seu derradeiro romance mais uma demonstração do quão relevante é a sua obra, sempre num estilo muito elegante que tem o condão de nos trazer para o interior de uma cultura que queremos conhecer.

A edição em Portugal é da Quetzal Editores. A tradução está a cargo de Cristina Rodriguez e Artur Guerra.

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