Machado de Assis entre a corte da Princesa Isabela, durante a missa pró-abolição da escravidão / Foto.: Antonio Luiz Ferreira, 17 de maio de 1888

A editora Guerra e Paz lança um livro contendo os contos “Pai contra Mãe”, “O Caso da Vara”, três crónicas de Machado de Assis sobre o Abolicionismo e trechos dos seus clássicos “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”.

Consta que Machado não era um grande entusiasta de aparições públicas mas, no dia em que lei Áurea foi sancionada, em 1889, declarando oficialmente o fim da escravidão no Brasil, saiu em carro aberto pelas ruas do Rio de Janeiro para comemorar o feito. Seis dias depois, no entanto, vaticinava numa coluna no jornal aquela que seria uma das grandes questões sociais do país: depois de libertos e, uma vez que não havia repartição de terras correspondentes, o ex-escravo simplesmente trocava sua antiga miséria por um parco salário. Por outras palavras, eles simplesmente não tinham para onde ir.

Mas isso era um problema para posteridade: na altura na qual testemunhava os últimos anos da escravatura, o escritor era um crítico feroz deste (e de outros) tipos de servidão. Um dos grandes momentos da sua maravilhosa literatura encontra-se, justamente, num conto impressionante chamado “Pai contra Mãe” – originalmente publicado em 1906..

“Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos e nem todos gostavam da escravidão”. A ironia do trecho sucede à abertura contundente, onde se encontra a descrição dos instrumentos usados para prender ou “marcar” os escravos: “A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. (…) Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro no pé; havia também a máscara da folha-de-flandres”. Segue-se uma descrição detalhada dos tais “aparelhos” – incluindo a sinistra máscara, a qual “… só tinha três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado (…). Era grotesca a tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco”.

Mas estamos a falar de Machado de Assis, o que significa uma escrita longe das banalidades militantes que se encontram hoje por todo o lado. Há enorme ambiguidades, com as quais, aliás, se aprende muito mais do que com discursos normativos. É quando entram em cena outros dois personagens, outras tragédias: um casal branco, jovem, apaixonado, com um bebé recém-nascido mas… sem nenhum dinheiro no bolso. Resultado: por desespero, o chefe da família decide lançar-se à única ocupação a mão de semear: caçar escravos foragidos. E mais não se dirá: depois de umas tantas peripécias, o final é um dos grandes momentos da arte de criar contradições e deixar o leitor desamparado. 

“O Caso da Vara” traz mais um problema humano do que propriamente racial: o dilema enfrentado pelo protagonista não tem as mesmas implicações do que no conto anterior. O enredo narra a história de um rapaz que foge de um seminário e busca refúgio junto à “Sinhá Rita”, que decide ajudá-lo – mas não sem que isso acabe, típico na literatura de Machado, por ter um custo moral e emocional para ele.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *