Luís Miguel Cintra em "Mon Cas" (1986), filme de Manoel de Oliveira

Antes do lançamento, nos corredores da Cinemateca Portuguesa secretamente havia uma sensação de urgência aquando esta edição reunir depoimentos e todo o intimismo que possa albergar a Alma (a maiúscula é propositada) de Luís Miguel Cintra. Fazê-lo isto como devida e sentida homenagem a um ator, partilhada quer pelo crítico Jorge Leitão Ramos como o ator John Malkovich (com o qual contracenou em “O Convento” de Manoel de Oliveira), como o “maior do mundo”. 

Luís Miguel Cintra dispensaria apresentações, isto se o país que é seu palco não fosse mesquinho ou dependentemente perdido no universo televisivo, mas como existe esse precedente, este livro – “Luís Miguel Cintra: O Cinema” – é uma obra que tanto prevalece como documento aos conhecedores da arte de Cintra como aos inexperientes, aqueles que estão em vias de conhecê-lo. Ao escolher a “segunda opção”, interagem diretamente com o seu íntimo, com a sua “voz off” em diálogos que percorrem a sua filmografia, a sua devoção ao teatro, como o seu trabalho na Cornucópia (1973 – 2016), ou quanto à sua abordagem na condição do ator – “Fico horrorizado quando vejo que há escolas para ser ator de cinema porque acho que ser ator de cinema, ser ator de teatro, ser ator de televisão é, basicamente, sempre a mesma coisa. É a construção de gestos, de frases, de atitudes, de situações, etc., pela imaginação do ator. Como é que essa imaginação depois se comporta, que ordens dá ao corpo e à voz …? Depende da inteligência, da sensibilidade, da imaginação de cada um.

Portanto, o livro, tendo a excelência habitual das Edições da Cinemateca, composto por mais quatro mãos, é uma união de esforços para materializar essa constelação artística. A sua estrutura é dividida entre depoimentos, testemunhos em forma de vénias (Joaquim Pinto, Christine Laurent e João Mário Grilo), um repescado texto da autoria do lendário João Bénard da Costa e diálogos [divididos entre “Cinema e Teatro” e “Os Filmes”], entre o ator e José Manuel Costa, ex-diretor da instituição, e João Pedro Bénard, e por fim, talvez o gesto mais ‘cintrariano’, o comentário a um selecionado álbum de fotografias (dispositivo pessoal visto em filmes-documentário como “Ilusão” e “Verdade ou Consequência?”, ambos assinados por Sofia Marques, que direta e indiretamente falam sobre Cintra). E, nesta última secção, um documento dentro de outro documento, verifica-se uma sinceridade nessa legenda viva, na qual Luís Miguel Cintra exprime as suas gratidões, admirações, arrependimentos e até desilusões (sobre o filme “Aqui na Terra”, o ator refere “A minha única vez com João Botelho. Não nos damos bem.”).

E como a urgência da sua publicação, há que solicitar a urgência da sua aquisição; relembrar, recordar, reavivar e resgatar Luís Miguel Cintra, o nosso mais guardado segredo das artes performativas, duque no teatro, eterno príncipe no cinema.

Foto.: Livraria Linha de Sombra

By Hugo Gomes

"Não ter já mais nada para dizer e continuar a escrever é um crime. Porque não tem o direito de continuar a escrever se não tem nada para dizer. - José Saramago

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