Antes do lançamento, nos corredores da Cinemateca Portuguesa secretamente havia uma sensação de urgência aquando esta edição reunir depoimentos e todo o intimismo que possa albergar a Alma (a maiúscula é propositada) de Luís Miguel Cintra. Fazê-lo isto como devida e sentida homenagem a um ator, partilhada quer pelo crítico Jorge Leitão Ramos como o ator John Malkovich (com o qual contracenou em “O Convento” de Manoel de Oliveira), como o “maior do mundo”.
Luís Miguel Cintra dispensaria apresentações, isto se o país que é seu palco não fosse mesquinho ou dependentemente perdido no universo televisivo, mas como existe esse precedente, este livro – “Luís Miguel Cintra: O Cinema” – é uma obra que tanto prevalece como documento aos conhecedores da arte de Cintra como aos inexperientes, aqueles que estão em vias de conhecê-lo. Ao escolher a “segunda opção”, interagem diretamente com o seu íntimo, com a sua “voz off” em diálogos que percorrem a sua filmografia, a sua devoção ao teatro, como o seu trabalho na Cornucópia (1973 – 2016), ou quanto à sua abordagem na condição do ator – “Fico horrorizado quando vejo que há escolas para ser ator de cinema porque acho que ser ator de cinema, ser ator de teatro, ser ator de televisão é, basicamente, sempre a mesma coisa. É a construção de gestos, de frases, de atitudes, de situações, etc., pela imaginação do ator. Como é que essa imaginação depois se comporta, que ordens dá ao corpo e à voz …? Depende da inteligência, da sensibilidade, da imaginação de cada um.”
Portanto, o livro, tendo a excelência habitual das Edições da Cinemateca, composto por mais quatro mãos, é uma união de esforços para materializar essa constelação artística. A sua estrutura é dividida entre depoimentos, testemunhos em forma de vénias (Joaquim Pinto, Christine Laurent e João Mário Grilo), um repescado texto da autoria do lendário João Bénard da Costa e diálogos [divididos entre “Cinema e Teatro” e “Os Filmes”], entre o ator e José Manuel Costa, ex-diretor da instituição, e João Pedro Bénard, e por fim, talvez o gesto mais ‘cintrariano’, o comentário a um selecionado álbum de fotografias (dispositivo pessoal visto em filmes-documentário como “Ilusão” e “Verdade ou Consequência?”, ambos assinados por Sofia Marques, que direta e indiretamente falam sobre Cintra). E, nesta última secção, um documento dentro de outro documento, verifica-se uma sinceridade nessa legenda viva, na qual Luís Miguel Cintra exprime as suas gratidões, admirações, arrependimentos e até desilusões (sobre o filme “Aqui na Terra”, o ator refere “A minha única vez com João Botelho. Não nos damos bem.”).
E como a urgência da sua publicação, há que solicitar a urgência da sua aquisição; relembrar, recordar, reavivar e resgatar Luís Miguel Cintra, o nosso mais guardado segredo das artes performativas, duque no teatro, eterno príncipe no cinema.