James McBride é uma das grandes vozes da literatura afro-americana e “A Mercearia Céu & Terra” é o seu oitavo livro. Em Portugal é publicado pela Leya (Dom Quixote).

O livro mistura negros e judeus numa viagem pelo tempo de quatro décadas – começando com o encontro de uma ossada num poço em 1972 (e cujos vestígios seriam levados pelo furacão Agnes!) e retornando para a década de 1920. No centro está o casal judeu Moshe e Chona Ludlow, o único do degradado bairro de Chicken Hill a acolher afro-descendentes nos espectáculos musicais no teatro que dirigem. 

Chona dirige ainda uma mercearia deficitária (a mesma que dá nome ao livro), mas recusa-se a partir: em causa está a alegria que sente por viver nas redondezas e o entusiasmo que recebe de volta da comunidade – embora o seu apaixonado marido que lhe faz as vontades gostasse de emigrar atrás de outros judeus, que agora ganham dinheiro, para terras menos suburbanas e ser “americano”. As coisas se complicam quando o sério e imponente ajudante de Moshe, Nate, e Chona, decidem esconder um menino surdo de 12 anos que é procurado pela polícia depois que a sua mãe morreu. 

A História é uma das especialidades de McBride: mas a feia e triste narrativa que envolve os negros nos Estados Unidos aparecem sobre várias nuances nos seus livros. A sua estreia, em 1995, causou sensação: “The Color of Water: A Black Man’s Tribute to His White Mother “, contava a incrível história da sua mãe, uma polaca emigrada que teve a ousadia de casar com um negro – sofrendo racismo de todos os lados: da família dela, certamente, mas também da comunidade afro-descendente onde vivia.

Sete anos depois, o enfoque foi outro: em “Miracle of St. Anna” o autor propôs olhar para uma daquelas muitas histórias esquecidas – neste caso a de um batalhão militar composto maioritariamente por afro-americanos criado durante a Guerra Civil Americana, os Buffalo Soldiers. Continuando a existir através das décadas, foram enviados para a Itália na 2ª Guerra Mundial – não sendo muito difícil imaginar o racismo que sofreram nas mãos de superiores militares brancos numa altura em que a América esbanjava preconceito. Spike Lee gostou tanto da história que resolveu adaptá-la – embora a sua versão tenha rendido mais dissabores do que dividendos – desde o arraso pela crítica, o fracasso de público e batalhas judiciais contra a distribuidora internacional do filme.

“Song Yet Sung”, de 2008, continua o seu mergulho na história da escravatura, contando a história da fuga de escravizados num mundo de fazendeiros e caçadores de recompensas, mas muda de tom em “The Good Lord Bird”, de 2013, onde os temas ganham um registo cómico e satírico. O enredo envolve a curiosa personagem de John Brown, um abolicionista em 1859 que tanto pode ser visto como tal como um fanático religioso capaz dos atos mais estranhos. Desta vez quem adorou as peripécias inventadas por McBride foi Ethan Hawke, que co-produziu uma série homónima em 2020. Diferente do projeto de Spike Lee, no entanto, a obra foi bem-recebida.

Três anos depois o escritor moveu-se para a não-ficção: “Kill ‘Em and Leave: Searching for James Brown and the American Soul” é uma biografia sobre a agitada e frequentemente trágica vida de James Brown – um tão genial na sua arte quando ligado às mais diversas mazelas, desde miséria e abusos na infância até a sua complicada relação com as drogas, processos judiciais, episódios de violência doméstica e a tirania sobre os seus músicos. 

“Five-Carat Soul”, lançado um ano depois, é o primeiro livro de contos de McBride e, tal como os seus romances, trafega por diferentes tempos da história americana. Por fim, há quatro anos, McBride voltou ao romance com “Deacon King Kong” (2020), romance satírico com vários personagens situados no Brooklyn contemporâneo.

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