Um dos bons lançamentos de livros sobre música em 2024 foi “My My! A História dos Abba e do Mundo que Revolucionaram”. O livro chegou ao mercado pela Saída de Emergência (chancela Desassossego).

Num dos muitos momentos hilariantes desta biografia muito singular do jornalista britânico Giles Smith, quem aparece nesta história são dois rostos aparentemente nada vinculados à trajetória dos Abba. Um deles é Pete Townshend: numa entrevista de 1982, precisamente numa época na qual depois de anos de “hits” ininterruptos o grupo começava a desvanecer-se, admitiu que adorava “S.O.S.” – mas de uma forma muito reveladora. Depois de ouvir a música na rádio, só depois percebeu que era do grupo sueco: “Mas era demasiado tarde, porque eu já estava entusiasmado com ela!”

Era assim que “rockers” a sério (e outros igualmente austeros, seja de que quadrante viessem) percebiam a revolucionária banda de “pop” que, a despeito da inigualável maestria nos arranjos e nas composições de algumas das suas músicas, rendiam-se aos requisitos televisivos (Smith dá uma boa descrição da televisão destes tempos as quais, surpreendentemente, não mudou tanto assim em termos de programas matutinos e vespertinos) e apareciam por todo o lado com os figurinos e os cenários mais pirosos que se poderia imaginar.

O génio dos Who não foi o único: ainda mais sensacional foi a confissão, esta ainda mais tardia (2012), por Glen Matlock, de que um dos primeiros petardos da revolução “punk”, “Pretty Vacant”, tinham se inspirado na mesmíssima canção. A história do baixista dos Sex Pistols contada em detalhes, aliás, é mais uma das boas narrativas destas efemérides.

A obra de Smith, pontuada por grande sentido de humor, com uma narrativa decididamente não-linear e mais centrada na evolução do impacto dos Abba do que em revelações escaldantes sobre os seus membros, acaba por ser um um mosaico da própria evolução da música “pop” na Europa e dos seus cenários – que partem da Eurovisão de 1974 (“Waterloo” acabaria por ser um dos raros vencedores do festival que ficaria efetivamente na memória e abriria as portas do sucesso “mainstream” duradouro a um artista) e segue por todo o tipo de programas “pimbas” imagináveis – incluindo um inacreditável “show” francês com as letras alteradas e com uma das músicas “cantadas” por um cão!

Não é à toa que o jornalista, quando tinha 13 anos, comprou sorrateiramente uma fita cassete (os mais novos se perguntarão que “criatura” é essa) com o primeiro álbum dos Abba, homónimo, e mantinha escondida na sua caixa de música onde exibia exibia de forma muito mais exuberante o “Band on the Run” de Paul McCartney e os Wings. 

Essa experiência não é incomum a nenhum fã de “rock’n’roll” que um dia passou a reconhecer a maestria por trás de “hits” pegajosos como “Dancing Queen” (verdade que outros continuam “desagradáveis”, como “Chiquitita” e “I Do, I Do, I Do, I Do”). Björn Ulvaeus chegou a dizer que “…eram tão mal vistos nos anos 80 que chegava a ser doloroso”.

Mas… quando começou a acontecer a reviravolta? Talvez a grande viragem tenha sido o “Abba Gold”, a coletânea lançada em 1992 – quando, a partir do lançamento, eventos diversos culminaram na hecatombe do musical “Mamma Mia”, lançado em Londres em 1999 e que serviria de base para o mega bem-sucedido filme com Meryl Streep. 

Para os desconhecedores, há muitas pérolas legadas por Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad – inicialmente dois casais suecos famosos no seu país que ousaram fazer uma incrível travessia para o “mainstream” mundial: “S.O.S.”, “Dancing Queen”, “Summer Night City”, “Gimme Gimme Gimme (A Man after Midnight”, “Knowing Me Knowing You” ou “The Winner Takes it All”.

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